A falácia do PIB, por Valdemar Rodrigues
Sustentabilidade

A falácia do PIB, por Valdemar Rodrigues


 
A falácia do PIB, antes das Bolhas do Carbono


Valdemar J. Rodrigues
Prof. Universitário

O conceito vigorante de PIB, ou produto interno bruto, usado por políticos e instituições como indicador do bem-estar económico de um país ou região, é uma daquelas falácias com que todos vivemos habitualmente mas que, na perspectiva social e ambiental, não significa necessariamente nada de bom ou de positivo. O crescimento do PIB, tão desejado pelos economistas e líderes políticos, ou o seu decréscimo, tão temido, não têm qualquer relação objectiva com o bem-estar individual das pessoas ou com a correspondente “saúde” das economias. Desde logo porque o PIB pode perfeitamente subir pelas piores razões (por exemplo à custa da desgraça humana, do desperdício de recursos ambientais e energéticos, ou do aumento dos negócios nas grandes empresas e grupos económicos, em detrimento dos negócios das pequenas e médias empresas). E pode também descer pelas melhores razões: melhor distribuição da riqueza (por exemplo através de uma maior justiça fiscal), melhor racionalidade na utilização dos recursos (por exemplo, o aumento das vendas de bens usados é algo que não contribui para o aumento do PIB, podendo pelo contrário diminui-lo, embora seja algo de bom e desejável numa sociedade consumista). Falar do PIB como persistem em fazê-lo os estados e as agências internacionais é algo que não é seguramente inocente.

Há várias décadas que as escolas da Economia vêm investigando e propondo sem sucesso fórmulas de correcção do PIB, de modo a torná-lo mais realista. Fórmulas que tenham nomeadamente em conta os custos e benefícios sociais e ambientais do crescimento económico, algo que consensualmente não significa desenvolvimento, e muito menos o tão apregoado desenvolvimento sustentável. Embora nas mais diversas áreas esteja há muito a ser aplicado o princípio do utilizador-pagador, com todos os problemas e limitações que são conhecidos (o caso do mercado do Carbono é um bom exemplo), e de forma muito diferencial e heterogénea, o facto é que, concordemos ou não com os métodos propostos para aumentar a “eficiência económica”, continua a não haver uma valorização económica apropriada de muitos elementos ambientais e sociais de que as sociedades actualmente dispõem, ou para os quais contribuem. Duvido aliás que tal esforço seja possível de realizar com sucesso, visto a questão ser sobretudo de índole ética ou moral, e não puramente económica. Quanto vale uma vida humana? Qual o valor monetário da natureza ou dos bens que ela nos proporciona? Estas questões não podem ser tratadas exclusivamente pela ciência económica usando os seus métodos de valorização monetária, como actualmente se pretende fazer crer e impor como regra. Acresce a persistente dificuldade na valorização monetária de males sociais como o desemprego, a guerra, o terrorismo, a corrupção, ou toda a espécie de tráficos que actualmente afligem as sociedades humanas, e para os quais não existem sequer metodologias rigorosas de avaliação, quanto mais valorizações monetárias. Se uma sociedade é corrupta e o seu PIB cresce vertiginosamente, será isso bom ou mau? Ora, para o sistema actual isso é reconhecidamente uma coisa boa.

É no mínimo estranho que continuem a ser publicadas periodicamente estatísticas económicas que pura e simplesmente ignoram os custos sociais e ambientais do crescimento económico. Isto ao mesmo tempo que um sistema económico-financeiro rapace desvia as suas atenções para o mercado emergente (e gigantesco) do Carbono, e saliva perante a possibilidade de “monetarizar” os bens e os “serviços do ecossistema” que a natureza ainda oferece “graciosamente” ao homem. Quantas bolhas de Carbono virão daqui a alguns anos por aí, com os inevitáveis prejuízos para a humanidade e para o ambiente quando rebentarem? Talvez já não estejamos cá para ver o dia em que a natureza passe a ser propriedade privada e exclusiva de grandes empresários e banqueiros, connosco a ter de pagar mensalmente pelos metros cúbicos de ar respirado ou pelos milímetros de precipitação chovidos no nosso quintal, se ainda for possível haver quintal (nesse caso teremos de pagar um adicional pela passagem das aves migratórias, dado o contributo para o valor da paisagem que isso representa) – este seria o sonho económico de muita gente. Alguns pensarão sobre isto: «mas que tamanha estupidez!». Só que a estupidez humana, contrariamente à inteligência, é infinita. E tende a crescer, exactamente pela mesma ordem de razões que fazem com que o PIB actualmente ainda cresça.


Lisboa, 8 de Setembro de 2010



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