Sustentabilidade
Economia de crise ou economia sustentável?
E porque é mais que óbvio que estamos em
crise económica, mais uma vez me socorro de um extracto do livro abaixo identificado, de
Valdemar Rodrigues, para reflexão da necessidade de
transição para uma economia sustentável. O extracto fala de economia em crise. A mim, parece-me que também se fala de economia sustentável. Porque a "crise" que temos na economia, desenganem-se, não é passageira. Ela veio para ficar e para se agravar, porque a nossa economia é insustentável. E não falo de Portugal, falo do mundo. A
dependência extrema do petróleo, cujo pico foi ou está quase a se atingido, e que cada vez será mais caro, o
excessivo consumo dos recursos do planeta, a
poluição que produzimos e as
desigualdades que supostamente deveriam estar mais atenuadas neste século, mas que se agravaram, são razões mais que suficientes para uma
crise geral. E são as comunidades locais que têm de perceber que precisam de se preparar para a transição, tornando-se resilientes e resistentes à crise vindoura preparar, para evitarem o colapso.
"(...)
Se houver uma crise económica e colapsar o abastecimento de electricidade, a conservação de produtos alimentares como a carne ou o peixe ainda continua a ser possível, através, por exemplo, da salga ou da secagem. Não é certamente por acaso que as sociedades ainda guardam a memória dessas tecnologias primitivas: é o seu instinto natural de sobrevivência a funcionar, sussurrando ao íntimo de cada um dos seus membros que o progresso cultural e científico nunca foi na história um dado completamente adquirido. E não foi, de facto, como bem sabem os antropólogos e os historiadores.
A história é profícua em casos de sociedades cultural e tecnologicamente ricas a que se seguiram sociedades cultural e cientificamente pobres, apagadas ou mesmo mortas.
(…)
A perspectiva crente na irreversibilidade do progresso tende a minimizar a importância de costumes e saberes ancestrais (ou ultrapassados) que um dia foram úteis ao homem e que lhe permitiram em muitos casos sobreviver economicamente. Tal perspectiva tende a orientar a educação essencialmente para o novo e para o futuro plausível, sem cuidar suficientemente do estudo dos factores que fizeram com que uma dada disciplina científica progredisse até um determinado estádio. Uma educação que ufanamente descura o passado, em benefício de um saber apenas presente, tantas vezes precário e incerto, inclinado para um futuro onde a surpresa não se consente. Predomina hoje, por assim dizer, uma a-historicidade pedagógica, decerto agravada pelo sentimento de compressão espaço-temporal e pela percepção da extrema aceleração das transformações que varrem o mundo.
(…)
O sucesso da recuperação económica da Argentina no período pós-2001 desafiou o conhecimento económico convencional (leia-se: o conhecimento iluminado por um tipo particular de teorias económicas) e surpreendeu a resposta do Estado nacional enquanto sociedade política cooperante e capaz de auto-organização. Na Argentina, a superação foi possível graças a expedientes há muito considerados arcaicos, tais como sistemas de troca directa, que se revelaram vitais para a sobrevivência de muitos milhares de famílias. O mesmo havia sucedido na Bulgária, com as batatas a transformarem-se por volta de 1997 em moeda de troca em várias regiões do país. O sistema baseado nas trocas directas de produtos e serviços já tinha sido criticado por Adam Smith que o considerava primitivo, um sistema não refinado que tenderia a desaparecer com a modernização das economias. Porém, tal não sucedeu, mantendo-se até aos nossos dias e estendendo a sua acção inclusive ao comércio internacional.
As moedas locais são outro dos arcaísmos que teimam em permanecer e cuja utilidade económica adquire grande relevo em tempos de crise. Isso aconteceu, por exemplo, na pequena cidade austríaca de Wörgl entre Julho de 1932 e Novembro de 1933 em pleno período da Grande Depressão, permitindo pôr em prática as ideias de Sílvio Gessel. Enquanto a depressão económica deixava marcas profundas por toda a Europa, a pequena cidade via aumentar o seu produto interno e as taxas de emprego, protegendo-se assim dos efeitos da recessão económica. Por muito que isso custe aos cultores do liberalismo económico, é da própria ideia de Estado soberano que advém o proteccionismo económico, hoje tido por coisa abominável pelas instâncias internacionais liberalizadoras (OMC, FMI, Banco Mundial, etc.).
Os sistemas locais de trocas têm vindo a ser explorados desde as primeiras décadas do século XX, inclusive por empresas que se especializaram na sua implementação, existindo provavelmente em 2008 mais de um milhar de sistemas em funcionamento em todo o mundo desenvolvido, porém de forma limitada e na sua maioria em paralelo com os sistemas oficiais baseados nas moedas nacionais ou regionais.
(...)"
Valdemar J. Rodrigues, em "
Desenvolvimento Sustentável - uma introdução crítica",
Parte I - Escolas e correntes de pensamento da questão ambiental- As escolas das ciências sociais e o ambiente - Desafios para a ciência económica, Editora Principia, 2009
(itálicos do autor, negrito meu, imagem da net)
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