Sustentabilidade
Uma cosmologia medieval reformulada pela matemática moderna
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Modelo geocêntrico do Universo, numa ilustração de 1568 pelo cosmógrafo e cartógrafo português Bartolomeu Velho BARTOLOMEU VELHO/BIBLIOTECA NACIONAL DE FRANÇA |
“E assim, a luz (…), pela sua natureza mesmo, multiplicou-se infinitas vezes e espalhou-se uniformemente em todas as direcções. Foi desta forma que, no início do tempo, ela estendeu a matéria, que não podia deixar atrás, arrastando-a com ela e formando uma massa do tamanho do Universo material.” Esta descrição do início do cosmos, muito evocadora da moderna teoria do Big Bang, foi escrita… em latim, por um bispo e cientista medieval inglês, Robert Grosseteste (c.1175-1253).
Agora, foi revisitada por uma equipa internacional de físicos, cosmólogos, historiadores, filósofos, latinistas, no âmbito de um projecto (The Ordered Universe Project) apoiado pelo Conselho britânico de Investigação nas Artes e Humanidades. “Este projecto representa uma maravilhosa e única fusão entre especialistas medievais e cientistas modernos”, disse ao PÚBLICO Giles Gasper, medievalista da Universidade de Durham (Reino Unido) e um dos principais autores do trabalho. O estudo revelou que os problemas teóricos com que se defrontam os cosmólogos modernos já existiam há 800 anos (apesar de ser muito improvável que Grosseteste tivesse consciência deles). Os resultados vão ser publicados em breve na revista Proceedings of the Royal Society A (mas já estão disponíveis no site arxiv.org).
Em 1225, no seu curto tratado Da luz ou o início das formas, Grosseteste expunha a primeira explicação científica de sempre da origem do Universo. Claro que, na altura, pensava-se que a Terra, imóvel, era o centro de tudo e que as estrelas e os planetas giravam em torno dela. Claro que Grosseteste não dispunha de ferramentas matemáticas para traduzir as suas palavras em fórmulas. E claro que não inventou a teoria do Big Bang, que deriva das equações da Teoria de Relatividade de Einstein e descreve uma realidade física totalmente diferente.
Mas, mesmo assim, o texto (disponível desde 1942 numa tradução em inglês, a partir da qual traduzimos o excerto acima) não deixa de ser impressionante pela modernidade das ideias que expõe. Foi por isso que Gasper e Richard Bower, físico da mesma universidade, juntamente com outros colegas, quiseram reinterpretá-las à luz da linguagem matemática de hoje – e a seguir, simulá-las num computador para ver se produziriam um Universo tal como Grosseteste o concebia no século XIII.
“O trabalho que Grosseteste fez no seu De Luce é nada menos do que revolucionário”, disse-nos Bower. “A sua explicação do Universo vai para além de todas as anteriores. Aristóteles concluíra que o Universo não tinha início nem fim, mas Grosseteste diz exactamente o contrário, começando por propor uma nova teoria da matéria e desenvolvendo-a numa explicação da criação do Universo. Ou seja, trabalha como um cosmólogo moderno, propondo leis físicas e seguindo-as até ao fim. Acho isso espantoso.”
Texto completo no Público de 18/03/14
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