Contra fatos não há argumentos. Segundo o estudo Monitor de Responsabilidade Social de 2009, realizado pela Market Analysis, quase seis entre 10 consumidores da América do Norte (56%) e da Oceania (54%) admitem ter recompensado uma empresa por causa de práticas socioambientais, comprando os seus produtos ou falando bem deles para outros. Na Europa, esse número é, em média, de quase três (29%) em dez.
No Brasil, mais especificamente, 15,2% dizem ter tomado decisão semelhante (8,2% puniram, deixando de comprar). Cerca de 59,3% nunca pensaram em punir ou premiar empresas segundo os compromissos de sustentabilidade. Fosse selecionada uma amostragem de consumidores de classe A, mais escolarizados, a proporção de “engajados” seria certamente maior, aproximando-se do padrão dos europeus.
De lado o fato de que nenhum estudo, por melhor que seja, consegue captar com precisão a atitude de um consumidor no ato da compra, dado o leque de variáveis, essas informações do Monitor de Responsabilidade Social permitem duas conclusões líquidas e certas. A primeira é que o exercício do consumo responsável já é uma realidade presente na vida de um bom número de norte-americanos, canadenses e australianos, caminhando para ser também entre todos os europeus. A segunda diz respeito ao fato de que o Brasil encontra-se alguns degraus abaixo na manifestação desse comportamento, por razões que ainda não foram objeto de estudo específico.
Para o que interessa a este artigo, os dados apoiam algumas considerações. Algo que parecia apenas uma moda politicamente correta, na segunda metade dos anos 1990, a valorização de aspectos socioambentais na compra de produtos ganhou maior peso no comportamento do novo consumidor deste século 21. Isso se deve, em alguma medida, à maior visibilidade pública do tema por conta da pregação de Al Gore em torno do aquecimento global, do anúncio do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e da crescente consciência sobre o risco de retirar do planeta 30% a mais de recursos do que ele é capaz de repor. Estão aí para comprovar a tese da alta do consumo verde os decroissants franceses e os scuppies norte-americanos, movimentos de cidadãos orientados por uma ética altruísta em países influenciadores da cultura e da economia mundiais.
O mundo vive hoje o que alguns especialistas chamam de radical greening, nome conferido a uma tendência de aumento das preocupações ambientais entre os consumidores e também os governos. Não sem motivo, o esverdeamento radical tem sido apontado como uma das dez maiores ameaças próximas aos negócios. Setores como os de petróleo e gás, seguros, energia, saneamento e automotivo já começam, inclusive, a trabalhar com um cenário futuro de forte pressão exercida sobre suas atividades por consumidores ambientalmente engajados e regulamentações mais severas.
Diante de tal quadro, as empresas mais inteligentes já compreenderam que não devem desconsiderar a sustentabilidade em suas estratégias de gestão e relacionamento com consumidores. As que possuem produto destinado ao consumidor final não poderão, nos próximos anos, ignorar esse fator como elemento importante na construção de sua marca, sob o risco de perder sintonia com clientes cada dia mais exigentes, críticos e infiéis. As “business to business” precisarão ser sustentáveis se quiserem assegurar a sua licença para operar em comunidades, preservar ou fortalecer a reputação ou mesmo evitar potenciais focos de conflito sociais e ambientais que venham a prejudicar suas atividades.
A inclusão da temática socioambiental entre as expectativas dos consumidores constitui-se, sem dúvida, em elemento inusitado no jogo do mercado mundial. E a sua expansão, em maior ou menor ritmo, afetará certamente o modo como os profissionais de marketing e os planejadores de branding elaboram as marcas.
A escola de pensamento inglesa em branding vê nesse comportamento do consumidor a plataforma para uma espécie de terceira onda da construção de marcas, posterior à racional (entre os anos 1950 e 1970) e à emocional (entre os anos 1970 e 1990) Denominada ética, ela teria começado nos anos 1990, inaugurando um conceito também conhecido como “spiritual brand”. A diferença para as duas anteriores está no fato de que, além de obter os aspectos funcionais do produto e experimentar as emoções que pode evocar, o consumidor ético quer, acima de tudo, se relacionar com marcas fundadas em valores e crenças, com empresas que pensam e agem como um indivíduo decente.
Mais do que falar, os consumidores “éticos” parecem dispostos a agir. Estima-se que, na média mundial, um terço deles já tenha boicotado pelo menos um produto por causa de um escorregão socioambiental. Mais envolvido, ele está também atento ao que proclama a cada dia mais barulhenta publicidade verde. E também muito desconfiado do valor de suas mensagens. No Reino Unido, o Advertising Standards Authority retirou de circulação, em 2007, 19 campanhas consideradas enganosas. Por pressão da sociedade, o governo francês acaba de criar uma regulação para campanhas verdes visando coibir mentiras, promessas vagas, imprecisões e falsos compromissos. Nos EUA, observa-se um movimento semelhante.
Desse quadro novo salta uma reflexão importante. Dada a crescente valorização dos benefícios de “ser sustentável” no processo de construção de marca, o desafio imposto aos homens e mulheres de branding será adotar um marketing também sustentável, baseado, como já afirmamos em cinco princípios afeitos à noção de sustentabilidade: a verdade precisa dos fatos, a equidade entre os interesses da empresa e do consumidor, a transparência, o não-desperdício nem de insumos nem de oportunidades de promover o desenvolvimento sustentável, a responsabilidade em relação ao planeta, a coerência entre o que a marca promete e o que efetivamente entrega.
Ricardo Voltolini é publisher da revista Ideia Socioambiental e diretor da consultoria Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade.
Fonte: Idéia Socioambiental
http://www.ideiasustentavel.com.br/