Enquanto uma parte da população já percebeu que vivemos no tempo de acabar com o sistema político dominado pelos detentores do poder económico e financeiro (gatarrões), uma outra (muito grande) parte continua cheia da espuma injectada pela comunicação social de massas, que, tal como os agentes e instituições ligados ao poder político, tomam como adquirido o discurso fatalista de que não há outro remédio senão continuar no mesmo sistema, escolhendo os gatos que hão-de governar os ratos para seu (deles, gatarrões e gatos) proveito.
Temo que ainda não tenha chegado a verdadeira hora de mudança, porque são muitos os que ainda estão mergulhados nessa espuma de vassalagem aos grandes gatarrões. No entanto, acho que já está mais que no momento de começar a acabar com este jogo de cifrões, gatarrões e gatos, e passarmos a dar prioridade ao que realmente importa: mudar esta democracia de fachada para uma democracia real. O caminho ainda não é claro e não vai ser fácil, mas, mais dia menos dia, teremos de fazer esse percurso. Quanto mais tarde, mais difícil será.
Para reflexão, sugiro mais uma vez esta animação da fábula popularizada por Tommy Douglas, Mouseland, bem como o texto do sociólogo Boaventura de Sousa Santos sobre os acampados, e o seu discurso na acampada de Lisboa, no passado dia 23 de Maio, que ficam já aqui a seguir:
A pensar nas eleições Artigo de Boaventura de Sousa Santos, em Carta Maior
«Nos próximos tempos, as elites conservadoras europeias, tanto políticas como culturais, vão ter um choque: os europeus são gente comum e, quando sujeitos às mesmas provações ou às mesmas frustrações por que têm passado outros povos noutras regiões do mundo, em vez de reagir à europeia, reagem como eles. Para essas elites, reagir à europeia é acreditar nas instituições e agir sempre nos limites que elas impõem. Um bom cidadão é um cidadão bem comportado, e este é o que vive entre as comportas das instituições.
Dado o desigual desenvolvimento do mundo, não é de prever que os europeus venham a ser sujeitos, nos tempos mais próximos, às mesmas provações a que têm sido sujeitos os africanos, os latino-americanos ou os asiáticos. Mas tudo indica que possam vir a ser sujeitos às mesmas frustrações. Formulado de modos muito diversos, o desejo de uma sociedade mais democrática e mais justa é hoje um bem comum da humanidade. O papel das instituições é regular as expectativas dos cidadãos de modo a evitar que o abismo entre esse desejo e a sua realização não seja tão grande que a frustração atinja níveis perturbadores.
Ora é observável um pouco por toda a parte que as instituições existentes estão a desempenhar pior o seu papel, sendo-lhes cada vez mais difícil conter a frustração dos cidadãos. Se as instituições existentes não servem, é necessário reformá-las ou criar outras. Enquanto tal não ocorre, é legítimo e democrático atuar à margem delas, pacificamente, nas ruas e nas praças. Estamos a entrar num período pós-institucional.
Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. Os acampados não têm de ser impecáveis nas suas análises, exaustivos nas suas denúncias ou rigorosos nas suas propostas. Basta-lhes ser clarividentes na urgência em ampliar a
agenda política e o horizonte de possibilidades democráticas, e genuínos na aspiração a uma vida digna e social e ecologicamente mais justa.
Para contextualizar a luta das acampadas e dos acampados, são oportunas duas observações. A primeira é que, ao contrário dos jovens (anarquistas e outros) das ruas de Londres, Paris e Moscou no início do século XX, os acampados não lançam bombas nem atentam contra a vida dos dirigentes políticos. Manifestam-se pacificamente e a favor de mais democracia. É um avanço histórico notável que só a miopia das ideologias e a estreiteza dos interesses não permite ver. Apesar de todas as armadilhas do liberalismo, a democracia entrou no imaginário das grandes maiorias como um ideal libertador, o ideal da democracia verdadeira ou real. É um ideal que, se levado a sério, constitui uma ameaça fatal para aqueles cujo dinheiro ou posição social lhes tem permitido manipular impunemente o jogo democrático.
A segunda observação é que os momentos mais criativos da democracia raramente ocorreram nas salas dos parlamentos. Ocorreram nas ruas, onde os cidadãos revoltados forçaram as mudanças de regime ou a ampliação das agendas políticas. Entre muitas outras demandas, os acampados exigem a resistência às imposições da troika para que a vida dos cidadãos tenha prioridade sobre os lucros dos banqueiros e especuladores; a recusa ou a renegociação da dívida; um modelo de desenvolvimento social e ecologicamente justo; o fim da discriminação sexual e racial e da xenofobia contra os imigrantes; a não privatização de bens comuns da humanidade, como a água, ou de bens públicos, como os correios; a reforma do sistema político para o tornar mais participativo, mais transparente e imune à corrupção.
A pensar nas eleições acabei por não falar das eleições. Não falei?»
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