Há uma interessante entrevista que só apareceu há alguns dias atrás, com Graham Fuller, um ex-agente da CIA, um dos principais fontes da inteligência e dos analistas mainstream sobre o Oriente Médio. O título é “Os Estados Unidos criaram o ISIS”. Aparentemente, seria mais uma das milhares de teorias da conspiração que rondam o Oriente Médio.
Mas trata-se de algo diferente — que vai direto ao coração do establishmentnorte-americano. Fuller apressa-se em frisar que sua hipótese não significa dizer que os EUA decidiram dar existência ao ISIS e, em seguida, o financiaram. Seu — e eu acho que é algo acurado — é que os EUA criaram o pano de fundo em que o ISIS cresceu e se desenvolveu. Em parte, apenas devido à abordagem devastadora padrão: esmagar aquilo de que você não gosta.
Em 2003, os EUA e a Grã-Bretanha invadiram o Iraque, um crime grave. A invasão foi devastadora. O Iraque já havia sido virtualmente destruído, em primeiro lugar pela década de guerra com o Irã — no qual, aliás, Bagdá foi apoiado por os Washington — e depois pela década de sanções econômicas e políticas.
Tais sanções foram descritas como “genocidas” pelos dois respeitados diplomatas internacionais que os administravam e, que, por esse motivo, renunciaram em protesto. Elas devastaram a sociedade civil, fortaleceram o ditador, obrigaram a população a confiar nele para a sobrevivência. Essa é provavelmente a razão pela qual ele não seguiu o caminho natural de todos os outros ditadores que foram derrubados.
Por fim, os EUA simplesmente decidiram atacar o país em 2003. O ataque é comparado por muitos iraquianos à invasão mongol de mil anos atrás. Muito destrutiva. Centenas de milhares de pessoas mortas, milhões de refugiados, milhões de outras pessoas desalojadas, destruição da riqueza arqueológica e da riqueza do país da época suméria.
Um dos efeitos da invasão foi instituir imediatamente divisões sectárias. Parte do “brilhantismo” da força de invasão e de seu diretor civil, Paul Bremer, foi separar os grupos — sunitas, xiitas e curdos — uns dos outros, e instigá-los uns conta os outros. Após alguns anos, houve um conflito sectário brutal, deflagrado pela invasão.
Você pode enxergar isso se olhar para Bagdá. Um mapa de Bagdá de, digamos, 2002, revela uma cidade mista: sunitas e xiitas vivem nos mesmos bairros e casam entre si. Na verdade, às vezes nem sabiam quem era sunita, e quem era xiita. É como saber se seus amigos estão em um ou outro grupo protestante. Existiam diferenças, mas não eram hostis.
Na verdade, durante alguns anos ambos os lados diziam: nunca haverá conflitos sunitas-xiitas; Estamos muito misturados na natureza de nossas vidas, nos locais onde vivemos, e assim por diante. Em 2006, houve uma guerra feroz. Esse conflito se espalhou para todo o Oriente Médio — hoje, cada vez mais dilacerado por conflitos entre sunitas e xiitas.
A dinâmica natural de um conflito como esse é que os elementos mais extremos comecem a assumir o controle. Eles tinham raízes. Estão no mais importante aliado dos EUA, a Arábia Saudita, com a qual Washington está seriamente envolvidos desde a fundação do Estado nacional. É uma espécie de ditadura da família. O motivo é sua uma enorme quantidade de petróleo.
Mesmo do domínio dos EUA, a Grã-Bretanha sempre preferiu o islamismo radical ao nacionalismo secular, no mundo árabe. E quando os EUA passaram a ser hegemônicos no Oriente Médio, adotaram a mesma posição. O islamismo radical tem seu centro na Arábia Saudita. É o estado islâmico mais extremista, mais radical no mundo. Faz o Irã parecer um país tolerante e moderno, em comparação — e os países seculares do Oriente Médio árabe ainda mais, é claro.
A Arábia Saudita não é apenas dirigida por uma versão extremista do Islã, os salafistas wahhabistas. É também um Estado missionário. Usa seus enormes recursos petrolíferos para promulgar suas doutrinas em toda a região. Estabelece escolas, mesquitas, clérigos, em todo o lugar, do Paquistão até o Norte de África.
Uma versão extremista do extremismo saudita foi assumida pelo ISIS. Este grupo cresceu ideologicamente, portanto, a partir da forma mais extremista do Islã — a versão da Arábia Saudita — e dos conflitos engendrados pela invasão norte-americana, que quebraram o Iraque e já se espalharam por toda a região. Isso é o que Fuller argumenta, em sua hipótese.
A Arábia Saudita não só fornece o núcleo ideológico que levou ao extremismo radical do ISIS (e de grupos semelhantes que estão surgindo em diversos países), mas também o financia e lhe oferece apoio ideológico. Não é o governo deRIAD
que o faz — mas sauditas e kwaitianos ricos. O ataque lançado à região pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha é a fonte, onde tudo se origina. Isso é o que significa dizer os EUA criaram ISIS.
Pode ter bastante certeza de que, à medida que esses conflitos se desenvolvem, eles se tornarão mais extremistas. Os grupos mais brutais tenderão a assumir o controle. É o que acontece quando a violência se torna o meio de interação. É quase automático: em favelas ou nos assuntos internacionais. As dinâmicas são perfeitamente evidentes. É este o papel do ISIS vem. E se for destruído, surgirá talvez algo ainda mais extremo.
Continua…
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