Srur é um artista plástico dedicado a intervenções urbanas que propõem a reflexão entre a cidade e seus cidadãos. Ele reconstrói paisagens que estamos tão habituados a ver que acabamos por ignorá-las. Ao transformar os cenários, ele nos provoca com arteativismo.
Sua atual obra exposta em São Paulo é um labirinto gigante de 15 metros de cumprimento e 2,40 metros de altura. As paredes são feitas de fardos com lixo reciclável (50 toneladas no total) onde as pessoas se perdem, desbravam e encaram de perto o material que descartam diariamente. Exposto pela primeira vez em 2010, no festival de música SWU em Itu, a obra passou por vários parques da capital e ficará exposta até o final de maio no Ibirapuera.
Leia a seguir a entrevista que Srur concedeu a Página22 sobre arte e ativismo.
Você diz acreditar que a arte tem o poder de provocar, conscientizar e educar a população de forma direta. Como a arte faz isso?
No caso das intervenções urbanas, elas propõem um rompimento com as fronteiras institucionais e promovem um diálogo fora do circuito da arte de museu e galerias. Quando tenho uma ideia, penso no próximo e em como atingir o maior número de pessoas. As obras que faço, então, falam a mesma língua que o público e não dão um nó no cérebro do espectador.
O poder das minhas intervenções parte desse princípio: transmitir uma informação, uma mensagem inteligível. E isso é amplificado porque uso o espaço público como plataforma do trabalho.
A arte tem força visual, toca sentimentos, gera ideias e sensações, mexe com a criatividade e surpreende o espectador. É isso que faz com que a sua obra atinja as pessoas?
A questão lúdica e poética de uma obra é a única forma do artista sobreviver enquanto profissional. Tem que ter isso no seu trabalho. Meu interesse é criar obras que são políticas, que têm uma veia crítica e provocativa e que geram um curto-circuito no cotidiano. Tirar o cara que vive na cidade de uma anestesia mental. Mas, ao mesmo tempo, isso não tem uma sobrecarga a ponto dele não se identificar com a arte que vê.
As pessoas dizem que eu sou polêmico e irônico, mas minhas obras têm uma dose de humor em quantidades delicadas. É uma busca de equilíbrio entre a crítica – no momento em que ela tem uma densidade – e a ironia. Sempre busco uma equação que torne a obra agradável, mas um agradável que provoca e incomoda.
Obra PETs nas margens do rio Tiete. (Foto de Cia de Foto) |
O que não pode faltar nunca em suas obras?
Cada obra é uma obra, mas eu tenho algumas diretrizes antes de sair na rua para não perder viagem. A cidade de São Paulo é um espaço dinâmico, caótico e as pessoas estão cuidando da própria vida. É preciso estratégias para que a interferência não só seja vista, como também que se imponha fisicamente, conceitualmente, psicologicamente na cidade.
Lido com a cidade como um organismo, então a inserção tem que ser bem colocada. Se não for assim, a obra não existe. Ou só existe para o artista e não para a cidade. É difícil colocar em termos objetivos o que caracteriza o sucesso ou o bom resultado de uma intervenção urbana, mas o começo dela exige do artista o cuidado de saber que ele não está protegido pelo espaço institucional. Então, se ele está se propondo a esse desafio [de intervir na rua], ele tem que estar preparado para tudo.
Porque você escolheu então a intervenção urbana, já que é uma obra não protegida?
Me interessa como experimentação. Faço o que eu quero, uso qualquer lugar. Posso usar a cidade como pintor, escultor, desenhista sem ficar limitado. E nas ruas, falo para todo mundo democraticamente.
E quanto aos seus temas, que várias vezes estão voltados ao meio ambiente. Qual o seu envolvimento com a causa ambiental?
Não sou envolvido com nenhuma causa específica. Nem foi premeditado “vou ser ativista ambiental”, mas é claro que tenho uma inclinação de defender a reciclagem ou a limpeza dos rios, como mostro nas obras. A arte ativista, assim, é eficiente quando é um assunto coletivo, não pode se isolar do mundo. A arte tem que tratar de temas atuais.
Minha arte tem como objetivo comunicar as pessoas, educar. Como artista visual e contemporâneo, quero formar o olhar das pessoas e me interessa falar para diferentes públicos. Outra questão é a arte como papel transformador de olhares. As PETs não estão lá no rio Tietê porque quero que as pessoas parem de jogar garrafas lá e só. As PETs propõem a reciclagem do olhar, do pensamento.
O labirinto de lixo (Foto de Eduardo Srur) |
Sobre a obra Labirinto, qual a mensagem que você quer passar colocando as pessoas e o lixo cara a cara?
Deixando as pessoas de frente com as paredes de resíduos sólidos, proponho uma obra participativa e quero que o público entre no trabalho. Labirintos são espaços em que você se perde e precisa encontrar uma saída. Hoje, na cidade, nosso labirinto são os resíduos sólidos. Aí, tudo o que a sociedade descarta eu coloquei no espaço de lazer, que é o parque.
Ou seja, você provoca as pessoas jogando lixo justamente onde elas não querem que ele esteja.
Exato. Coloco o lixo no local mais absurdo – que é o parque. Atrapalho o “domingo no parque”. A pessoa está indo passear, mas se depara com uma obra artística constituída de lixo. Quero reestruturar a relação do espectador com a obra de arte. E o labirinto faz isso de uma forma muito expressiva: dá sensações, ativa a percepção e desorienta. Depois acaba e a pessoa se reencontra. É o que eu chamo de curto-circuito e é de forma lúdica. É divertido, educativo, mas acima de tudo é uma obra de formação do olhar.
Depois que a obra for desmontada, o lixo vai encontrar o caminho da reciclagem?
Claro. Nós pegamos os resíduos de uma cooperativa de reciclagem e depois da montagem, devolvemos a eles. Eu só me aproprio de uma das etapas da cadeia de pós-consumo da cidade, transformo, mudo a função do objeto dando outro significado. Acho que a situação da cidade é muito mais surreal do que as obras que eu faço! (risos)
Acesse o Flickr de Srur com todas as obras de seu porfólio.