Em grande parte das postagens deste blog, foram tratadas questões ambientais de ordem nacional e até mundial. Claro que nunca devemos nos esquecer da emergência em que o Planeta se encontra, a qual se deve, sem dúvida, à magnitude dos problemas. Da mesma forma, é óbvio que os grandes problemas resultam de uma série de pequenos impactos, em escala local, em todas as atividades humanas. Portanto o "agir localmente, pensar globalmente" nunca esteve tão em voga como nestes tempos de sustentabilidade.
Eu poderia debater aqui neste tópico - como já fiz em outros - aspectos da arquitetura sustentável. Sabe-se que este ainda não é, digamos assim, um "tipo" de arquitetura propriamente dito e sequer bem definido. Está em formação, até o momento não passa de um apanhado de sistemas construtivos e formas de projetar os quais, sendo mais ou menos utilizados, transformam uma construção em sustentável (ou não).
Na verdade a questão que eu quero tratar aqui, mais como um desabafo, é da ausência e até da eliminação das árvores na maior parte dos projetos arquitetônicos desenvolvidos (e executados) hoje em dia no Brasil. Ressalva-se que não quero aqui criticar o trabalho dos colegas, longe disso. Sei que muitas vezes este desprezo quase generalizado pela arborização decorre de falta de visão ou de costume e até influência de clientes mal orientados. Sei que há exceções e parabenizo os profissionais e clientes que valorizam a arborização.
Também não quero afirmar que o plantio e a preservação das árvores, por si só, definam uma arquitetura sustentável. A sustentabilidade é um conjunto de fatores. Nem quero comprovar cientificamente que o plantio de árvores em nossas cidades vá diminuir o aquecimento global. Sei que encontrarei diversos opositores neste quesito, os quais afirmam que as árvores não mudam em nada nosso clima global. Podem até não amenizar as mudanças climáticas a nível mundial (embora EU acredite que elas ajudem sim), mas é no microclima das cidades que seu papel é mais fortemente percebido. Querem um exemplo prático? As tempestades de verão quando atingem a grande São Paulo (o que não é incomum) são muito mais violentas, causando problemas ainda maiores, nas regiões menos arborizadas da metrópole, como é o caso da Zona Leste. Além de ser a área mais povoada, é a mais extensa e tamanha extensão é, em sua maioria, concretada e asfaltada. O que ocorre é que a maior concentração de calor causada por esta imensa faixa de concreto aumenta a intensidade das tempestades sobre este local. Ao mesmo tempo, a ausência de árvores faz com que a água chegue mais rapidamente ao solo. E este solo, por ser totalmente impermeabilizado, não dá vazão à tromba d´água. Isso leva a enchentes catastróficas, com perdas humanas e materiais significativas. Ninguém fez o cálculo ainda, mas é imenso o prejuízo pago (financeiro e emocional) pela população que não planta árvores! Está aí uma das provas (práticas) do quanto as árvores são importantes para nossas cidades, para nosso povo.
Eu comentei acima um problema de magnitude relativamente grande, que envolve grandes áreas da maior metrópole brasileira. Mas e no nível micro? São inúmeras as vantagens das árvores no dia a dia das pessoas. Elas aumentam a nossa qualidade de vida, proporcionando uma paisagem mais aprazível, agradável aos olhos e a todos os sentidos de um modo geral, visto o microclima do local onde as casas estão localizadas ser muito mais equilibrado, agradável. É só experimentar caminhar, neste verão tropical brasileiro, por uma rua sem árvores e por outra com. A diferença é sensível. Num horário em que estejamos a 30 graus de temperatura ambiente, sob as árvores o alívio chega a até 10 graus a menos, permitindo elas que caminhemos a agradáveis 20 graus célsius! Por aí vemos a falta de caridade consigo mesmo e também com as outras pessoas quando um morador corta a árvore em frente a sua residência: está ele ao mesmo tempo se privando de um clima melhor e ainda por cima condenando todos os pedestres que ali passam a um calor insuportável! O pior é que esta é uma atitude cada vez mais comuns de norte a sul do Brasil. Atitude execrável, que deveria ser severamente punida pelas prefeituras. Mas estas são coniventes, em sua maioria.
Continuando com as vantagens das árvores para a população em geral, já foi falado da diminuição da velocidade das águas que chegam ao solo nas tempestades. Podemos também citar a regulação, além da temperatura, da umidade relativa do ar, fator importantíssimos nestes tempos de mudanças climáticas em que, além das tempestades fortíssimas, temos tido períodos prolongados de seca inclusive no verão. Não se pode esquecer também da purificação do ar, da beleza das flores, da atração dos pássaros, da barreira contra ventos que elas formam, da fertilização da terra.. enfim, são inúmeros benefícios que elas nos trazem.
Alguns alegam os perigos de quedas de galhos sobre a rede elétrica e sobre veículos estacionados. Realmente isto ocorre, porém o plantio de espécies adequadas, com galhos fortes e feita a manutenção periódica (podas técnicas, corretamente supervisionadas), bem como as inspeções dos técnicos da prefeitura, estes transtornos são evitados. Vale dizer que já passou da hora de nossas cidades terem fiação elétrica enterrada. Ela é muito mais segura tanto do ponto de vista da arborização quanto de outros riscos que os fios expostos causam. E a beleza de não termos aquele emaranhado de fios poluindo visualmente as ruas é incalculável. Além de tudo, deixam as árvores em paz. Existem países mais pobres que o Brasil que já adotaram esta solução para a distribuição de energia, telefonia, etc. Por que aqui ainda não?
Por todos estes diversos fatores é que me entristece cada vez mais os arquitetos, engenheiros e construtoras da atualidade não contemplarem a arborização em seus projetos. Em cada imóvel que é reformado a primeira coisa que se faz é, de forma deliberada e ignorante, cortar todas as árvores. E no caso de construções novas, então.. se no terreno existem árvores, elas raramente são poupadas. Após finalizada a nova casa (ou edifício), não se planta nada além de arbustos baixos (em muitos deles corremos o risco de tropeçar, de tão baixos) ou palmeiras importadas da Indonésia ou outra localidade asiática (sendo que o Brasil é um dos países mais diversos neste tipo de planta). Vale aqui abrir um parênteses: eu não sou contra as palmeiras, definitivamente. Elas até estão em extinção em nossa mata atlântica, devido à extração criminosa do palmito. Mas as palmeiras devem ser plantadas em um contexto, em conjunto com outras árvores nativas do Brasil. Não apenas palmeiras isoladas, como é bastante comum. Nos novos empreendimentos imobiliários parece haver uma "ditadura das palmeiras". Elas sozinhas não proporcionam quase nenhuma sombra e os pássaros não conseguem viver nelas. É necessário resgatar a biodiversidade inclusive em nossos jardins e calçadas, combinando diversas espécies de árvores, arbustos, etc.
Não se sabe se essa tal "moda" de jardins desprovidos de árvores e erroneamente chamados de "limpos" (e horríveis, diga-se de passagem) é passageira. Espero que seja, porque estão enfeiando por demais nossas ruas, avenidas, estradas. Vale dizer que nos bairros das cidades norte-americanas as árvores são regra, e não exceção. Ao abrir-se novos loteamentos uma das primeiras providências, junto com a pavimentação, é o plantio de árvores. Assim deveria ser aqui no Brasil. E as leis para sua preservação deveriam ser mais rígidas, bem como os incentivos à preservação das existentes (como isenção de IPTU, por exemplo) tinham que ser amplamente divulgadas e utilizadas. Inclusive deveriam propor nas câmaras leis para preservação dos "meios de quadra". São redutos do verde, amplamente arborizados, resquícios dos quintais de antigamente, que muitas vezes estão presentes em áreas densamente povoadas. Os construtoras simplesmente ignoram isto, construindo em toda a superfície possível, eliminando esta biodiversidade tão importante em nossas cidades. Conseguimos construir muito (até aumentando o potencial construtivo), preservando o verde.
Não é somente nos parques que o verde precisa estar presente. Temos sim carência de parques em nossas cidades e eles são importantíssimos como áreas de lazer e convívio. Basta ver como ficam cheios de famílias aos domingos! Então por que ao invés dos parques estarem na cidade, a cidade não passa a estar dentro do parque? Pensem nisso arquitetos e construtores, antes de projetarem relegando o verde ao segundo plano. Vamos colocar as árvores como prioridade. Vamos lançar a moda dos "jardins biodiversos"! Comentem e divulguem essa ideia. Formemos uma corrente em prol de mais árvores em nossas casas, edifícios, condomínios, empresas, indústrias, ruas, avenidas, estradas, etc.
P.S. recomendo a todos conhecerem o movimento pela preservação das árvores nesta rua em Porto Alegre, RS. Representa bem como a população precisa acolher as árvores:
http://poavive.wordpress.com/2011/07/31/a-rua-mais-bonita-do-mundo/