Vandana Shiva: Redefinir protecionismo e centrá-lo nas pessoas e na Terra
Sustentabilidade

Vandana Shiva: Redefinir protecionismo e centrá-lo nas pessoas e na Terra


Vandana Shiva é doutorada em física, escritora e uma destacadíssima  ativista ambiental, sobretudo em defesa da soberania alimentar, da terra, das sementes e da biodiversidade, contra o oligopólio ou mesmo monopólio das grandes corporações, como a Monsanto. Em 1993, venceu o Right Livelihood Award, considerado como a versão alternativa do  Prémio Nobel da Paz. 

A entrevista que se segue foi feita por Agnès Rousseaux e Nadia Djabali, da BASTA!, em Julho de 2011. A tradução é de Mario S. Mieli, para a IMEDIATA. Vídeo da entrevista aqui. As imagens foram obtidas a partir do vídeo.

Vale a pena ler ou ouvir! Os temas tratados são dos mais importantes dos dias de hoje, mas não chegam às televisões, rádios ou jornais... porque será? (pergunta retórica...)

«Cinco minutos com Vandana Shiva – “Não há limites para o que podemos criar.

Q: Por que a soberania alimentar, a soberania da terra, da água e das sementes é o principal desafio atualmente?

VS: Os gregos estão dizendo: “nossa terra não está à venda, nossos bens não estão à venda, nossas vidas não estão à venda”. Na Índia, temos movimentos que dizem: “Nossa terra não está à venda, o Ganges não está à venda, nossas sementes não estão à venda.”
Então, quem está falando?
O POVO.
A soberania da terra, a soberania das sementes, a soberania dos rios se juntam à soberania dos povos, tanto com relação à responsabilidade de proteger estas dádivas da Terra, quanto de compartilhá-las equitativamente.

Q: É preciso regular as trocas comerciais para garantir essa soberania?

VS: Nossa reivindicação, ao lidar com a globalização, não é dizer não ao comércio. É dizer não ao comércio desregulamentado, no qual os termos do comércio são estipulados pela ganância das corporações, que se apropriam dos nossos impostos para criar preços artificiais, criando o dumping e destruindo a soberania alimentar. Esse tipo de sistema é nocivo aos agricultores indianos e aos agricultores europeus, mas esses agricultores são sempre um pretexto para as corporações. É preciso colocar o agrobusiness no centro da equação, das subvenções, do dumping, do monopólio dos mercados, da matança de nossos agricultores, da destruição da terra, da matança das populações, com uma alimentação envenenada.

Q: O protecionismo seria um instrumento para lutar contra as multinacionais?

VS: O protecionismo é descrito como um pecado porque a desregulamentação é estabelecida como a norma. Em 1993, organizamos uma manifestação de meio milhão de pessoas para alertar o governo indiano: “Se vocês assinarem os acordos do GATT, nossos cultivadores vão morrer”. Hoje, 250.000 agricultores já cometeram suicídio na Índia. Nós queremos que o governo associe a dívida de nossos camponeses com as políticas específicas de desregulamentação do mercado de sementes, o que permitiu à Monsanto de se tornar a única vendedora de sementes no mercado do algodão. 95% do mercado de sementes de algodão foi capturado. Precisamos redefinir protecionismo para centrá-lo na população e na Terra. Um protecionismo voltado aos ecossistemas do planeta é um imperativo ecológico. Trata-se de um dever social e ecológico, e a ganância das multinacionais não é um direito.

Q: Você descreve o livre comércio como o protecionismo para os poderosos…

VS: O que se chama de livre comércio não tem absolutamente nada de livre. Ele não é livre pelo modo como foi concebido. Ele não é democrático. Cinco multinacionais se reuniram e redigiram um acordo sobre a propriedade intelectual. Isso permite a empresas como a Novartis, de roubar os medicamentos dos pobres e cobrar dez vezes mais caro. Um tratamento contra o câncer custa 10.000 rúpias por mês, com os medicamentos genéricos disponíveis na Índia. E a Novartis quer vendê-los por 175.000 rúpias por mês. E quando o tribunal julga que o medicamento não é uma invenção da empresa, porque o tratamento já existia, e que a Novartis não podia reivindicar uma patente, a empresa desafia as leis do país. Um sistema em que 85% da população pode morrer por falta de tratamento é um sistema criminoso.

Q: A energia nuclear é um exemplo da guerra do ser humano contra si mesmo e contra a natureza?

VS: A maior usina nuclear do mundo está sendo construída na Índia, em Jaitapur, pela empresa francesa Areva, O projeto está todo baseado em subsídios, inclusive, a desapropriação das terras mais férteis, e quando a população diz Não, leva tiros. Os manifestantes que protestaram contra este projeto foram assassinados. Hoje, Jaitapur é uma zona de guerra. Espero que o povo da França apoie a população de Jaitapur, para exigir que a Areva desista do projeto e que nós possamos viver em paz.

Q: Você vê sinais de esperança?

VS: Vejo sinais de esperança onde quer que haja resistência. Cada comunidade na Índia que luta contra o roubo de terras, que participa do nosso movimento Navdanya, para que as sementes continuem sendo um bem de todos. Todos os que rejeitam a economia suicida da Monsanto, praticando uma agricultura biológica, ou todas as comunidades que lutam contra a privatização da água. Tudo o que se passa nas ruas de Madri, da Irlanda, da Islândia, na Grécia, os resultados do referendum nuclear na Itália… Esses são todos sinais extraordinários de esperança.

Tudo o que precisamos é de uma nova convergência. Uma convergência global de todas as lutas. Assim como a liberação de nossa imaginação. Não há limites para o que podemos criar.»




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