Rio+20 ou Rio dos 99% - "greenwashing" capitalista não
O texto que se segue foi publicado no site GAIA - Campanha das Sementes Livres e o alerta que transmite, no mês da Cimeira Rio+20, e considero-o de tal modo importante que o transcrevo integralmente.
Fica também aqui a ligação para um vídeo da RTP sobre o evento encontro paralelo da sociedade civil que não quer maisgreenwashing capitalista - a Cúpula dos Povos, e mais abaixo, um vídeo de chamada para a mesma. E aqui, uma outra chamada, da OcupaRio.
«Rio+20 e a Economia Verde: À procura do Rio dos 99%
Nos próximos dias 20, 21 e 22 de Junho a Assembleia Geral das Nações Unidas vai realizar uma cimeira no Rio de Janeiro para assinalar o vigésimo aniversário da primeira Cimeira da Terra, a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), que decorreu na mesma cidade em 1992.
Nesta cimeira foi estabelecida a primeira agenda global para o desenvolvimento sustentável, com a adopção da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC) e a Convenção de Combate à Desertificação. Foi também estabelecida a Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável (CSD) para assegurar o efectivo acompanhamento da UNCED "Cimeira da Terra".
Vinte anos depois, a vida tornou-se mais difícil para a maioria dos habitantes do planeta. O número de pessoas famintas aumentou para quase um bilião, sendo as mulheres e os pequenos agricultores os mais afectados. Enquanto isso, o ambiente está a esgotar-se rapidamente, a biodiversidade está a ser destruída, os recursos hídricos estão a escassear e o clima está em crise. O nosso futuro na Terra está seriamente prejudicado e comprometido, enquanto a pobreza e as desigualdades continuam a aumentar.
A ideia de desenvolvimento sustentável apresentada em 1992, que fundiu as preocupações relacionadas com desenvolvimento e ambiente, não resolveu o problema porque não travou o sistema capitalista na sua corrida pelo lucro à custa dos recursos humanos e naturais. O sistema alimentar está cada vez mais nas mãos de grandes corporações que procuram apenas maximizar o seu lucro.
As Nações Unidas consideram que os últimos vinte anos foram de progresso e mudança, apesar dos contratempos da crise financeira e económica, aliadas à flutuação dos preços nos alimentos e na energia. A insegurança alimentar, as alterações climáticas e a perda da biodiversidade, prejudicaram os possíveis ganhos no desenvolvimento. Segundo a UNEP, o programa ambiental das Nações Unidas, a situação paradoxal em que nos encontramos deve-se principalmente à má alocação de capital. Durante as últimas décadas investiu-se em combustíveis fósseis, propriedade e activos financeiros em detrimento da energia renovável, eficiência energética, transporte público, agricultura sustentável, protecção da biodiversidade e conservação dos recursos hídricos. Mas no seu relatório “Towards a green economy”, a agência coíbe-se de fazer a ligação entre o modelo global de comércio e o agravamento das condições ecológicas e sociais.
A Global Alliance for Rights of Nature, admite que a comunidade internacional tem tentado nas últimas décadas parar e reverter as alterações prejudiciais para o ambiente, particularmente desde a Cimeira da Terra. Durante este período, um volume sem precedentes de tratados e leis ambientais foram aprovados e implementados a nível nacional e internacional. No entanto, estes têm sido quase universalmente ineficazes na prevenção da degradação dos sistemas ecológicos de que os seres humanos e outras espécies dependem. Na realidade muitas tendências negativas continuam a aumentar, apesar dos esforços dos governos e ONGs em todos os países, o desenvolvimento sustentável continua a ser um objectivo distante e permanecem as principais barreiras e falhas sistémicas na implementação dos compromissos acordados internacionalmente.
Actualmente, novas evidências apontam para a gravidade das ameaças que enfrentamos. Para além dos novos desafios, a intensificação dos problemas anteriores exige respostas mais urgentes. As Nações Unidas dizem-se profundamente preocupadas com os cerca de 1,4 biliões de pessoas que ainda vivem na pobreza extrema e o sexto da população mundial subnutrida, à mercê da ameaça das epidemias e pandemias.
Segundo dados da UNEP, a crescente escassez ecológica é uma indicação de que estamos a esgotar os ecossistemas muito rapidamente e irreparavelmente, com consequências para o bem-estar actual e futuro. Um indicador importante do aumento mundial de escassez ecológica foi fornecido pelo Millennium Ecosystem Assessment(MEA), em 2005, que constatou que mais de 60 por cento dos bens e serviços dos principais ecossistemas mundiais foram degradados ou utilizados de forma insustentável.
Uma das razões pelas quais os sistemas legais e de governança contemporâneos fracassaram é porque foram projectados para facilitar e legitimar a exploração insustentável da natureza. A visão da natureza como propriedade tem vindo a fortalecer as relações de exploração entre os seres humanos e a natureza. Em vez disso, os governos devem reconhecer que a pressão humana sobre a capacidade da Terra já está acima dos níveis sustentáveis, afectando principalmente as populações pobres e vulneráveis e pondo em perigo o bem-estar de todas as formas de vida.
A UNEP define a economia verde como aquela que resulta em "melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, que simultaneamente reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica "(UNEP 2011). Na sua expressão mais simples, uma economia verde tem reduzidas emissões de carbono, é eficiente na utilização dos recursos e é socialmente inclusiva.
No entanto, um dos primeiros estudos económicos a investigar esta abordagem capitalista do desenvolvimento sustentável concluiu que, uma vez que as economias actuais estão continuamente a esgotar o capital natural para garantir o seu crescimento, o desenvolvimento sustentável é inatingível (Pearce et al., 1989).
A economia capitalista, baseada na sobre-exploração dos recursos naturais e dos seres humanos, nunca poderá ser "verde" porque se baseia no crescimento ilimitado num planeta que atingiu os seus limites e na mercantilização dos recursos naturais remanescentes que até agora se mantiveram sem valor nos mercados e controlados pelo sector público.
Não basta “pintar” o sistema actual de verde, é necessária uma verdadeira mudança de paradigma. O “greening” da economia baseia-se na mesma lógica e mecanismos que estão a destruir o planeta. Por exemplo, procura incorporar os aspectos da falhada "revolução verde" duma forma mais ampla, a fim de garantir as necessidades dos sectores industriais de produção, tais como promover as patentes sobre plantas e animais e os organismos geneticamente modificados.
Neste período de crise financeira, o capitalismo global procura novas formas de acumulação, a “economia verde” não é mais do que a sua máscara enquanto procura novos mercados baseados no “capital natural”, para se apropriar dos recursos naturais do mundo como matéria-prima para a produção industrial, como sumidouro de carbono ou mesmo para especulação. Esta tendência é visível através do aumento do land grabbing por todo o mundo, para a produção de culturas para exportação e agro-combustíveis. Novas propostas como a "intensificação sustentável" da agricultura, também cumprem o objectivo das corporações e do agro-negócio de sobre-explorar a Terra, colocando o rótulo de "verde" e forçando os camponeses a depender de sementes e insumos de alto custo.
A economia verde procura garantir que os sistemas biológicos e ecológicos do nosso planeta permaneçam ao serviço do capitalismo, pela intensa utilização de várias formas proprietárias de geo-engenharia, tecnologias sintéticas e biotecnologias, como a engenharia genética, peças-chave da agricultura industrial promovidas no âmbito da "economia verde".
São necessárias políticas de base para atender às necessidades da humanidade. Precisamos de iniciativas políticas práticas que fortaleçam a soberania alimentar, reduzam os danos ambientais e apoiem o trabalho inovador de pequenos agricultores e camponeses. Os movimentos sociais de base ecológica e camponesa exigem que o mundo dê três passos cruciais na Cimeira RIO+20:
estabelecer um mecanismo participado de avaliação das tecnologias;
proibir tecnologias que não oferecem garantias de segurança nem equidade como a geo-engenharia e a engenharia genética;
apostar na via da pequena agricultura camponesa para alimentar o mundo.
A governança dos nossos recursos naturais deve ser invertida de “top-down” para “bottom-up”, assegurando a autonomia dos povos e comunidades em determinar as suas próprias políticas de produção alimentar, cultivando para além de comida e outros bens essenciais, um profundo respeito pela diversidade da Natureza e da Cultura.»
Notas e referências na fonte: http://www.gaia.org.pt/node/16307
Nota minha: onde se lê "biliões", deverá ler-se, em Portugal, "mil milhões"
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