A falta de água não é um problema somente em São Paulo. Há uma crise de abastecimento que já castiga cinco das dez maiores regiões metropolitanas do país. Nem tampouco é um flagelo brasileiro. Estima-se que 884 milhões de pessoas (12% da população mundial) vivam sem água potável e 2,5 bilhões (dois quintos da população) não têm acesso a saneamento básico. E, apesar do iminente colapso global do mais importante recurso natural para a vida na Terra, seguimos numa escalada vertiginosa rumo à destruiMação dos mananciais.
É o caso das áreas úmidas, cujo dia mundial é comemorado nesta segunda-feira, 2 de fevereiro. Se bem que comemorar talvez não seja o mais apropriado frente à realidade. Cientistas ligados à Convenção de Ramsar sobre Áreas Úmidas alertam que esses reservatórios de água e biodiversidade estão em declínio em todo o planeta. Cerca de 64% dessas áreas já despareceram desde 1900. São pântanos, charcos, turfas ou locais de acúmulo de água, permanentes ou temporários.
Mas o conceito de área úmida não se restringe a locais onde ocorre a água doce. Mesmo a água salobra ou salgada - incluindo área de água marítima em regiões com menos de seis metros de profundidade na maré baixa - entram nesse critério internacional de classificação.
Essas áreas têm um papel fundamental na ciclagem da água. É como se fossem filtros que ajudam a manter limpos os estoques hídricos. Também são importantes na manutenção da biodiversidade, servindo de abrigo para milhares de espécies, e para a regulação do clima.
Herança
No Brasil, a mais expressiva dessas áreas é o Pantanal, maior planície inundável do mundo, com 148 mil km² de extensão e uma biodiversidade ainda não completamente mapeada. O bioma foi decretado Patrimônio Nacional, pela Constituição de 1988, e Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera, pelas Nações Unidas, em 2000. O país divide com Paraguai e Bolívia a responsabilidade de aproveitar de forma sustentável e legar esse tesouro para as gerações futuras. Mas não tem sido fácil.
Embora seja um local que abriga várias experiências de conservação de seus recursos naturais, muitas delas conduzidas pelo WWF-Brasil, o Pantanal sofre ameaças que colocam seu destino em risco.
Um estudo, englobando 30 pesquisadores de Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina, realizado pelo WWF-Brasil, TNC e Centro de Pesquisas do Pantanal, apontou as principais ameaças ao frágil equilíbrio ambiental do bioma. Desmatamento, erosões e sedimentação por manejo inadequado de terras para agropecuária; crescimento urbano e populacional associada a obras de infraestrutura, como rodovias, barragens, portos e hidrovias e barramentos hidrelétricos podem alterar o regime hídrico natural do Pantanal.
Dos 370 mil quilômetros quadrados da Bacia do Alto Paraguai no Brasil, que inclui todo o Pantanal e parte do Cerrado, cerca de 2 mil Km² foram desmatados desde 2010. Restam ainda 85,7% da vegetação original na planície pantaneira e apenas 40% do planalto, áreas altas da bacia onde encontra-se o Cerrado. A pecuária segue como forma de uso preponderante, mas vem perdendo espaço para a agricultura, que cresce sobre antigas áreas de pastagem. As terras plantadas com eucalipto aumentaram em 22%, segundo o estudo, inclusive sobre áreas antes ocupadas por agricultura e pastagens.
Erosão
Infraestrutura mal implantada, pecuária mal manejada ou em locais inadequadas amplificam perdas de solo. As voçorocas são registradas em várias regiões de cabeceiras do Pantanal. Outras ameaças despontam no cenário. Entre elas a hidrovia Paraná-Paraguai, meta dos países da Bacia do Rio da Prata desde os anos 1990 para tornar os rios Paraguai e Paraná canais de navegação industrial. Para isso, seriam necessárias intervenções de engenharia, derrocamento e dragagem ao longo 3.400 Km desde o Brasil (Cáceres) até o Uruguai (Nova Palmira). A obra faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal.
Além disso, os estudos prévios para licenciamento de hidrelétricas já começaram, pelo menos no lado brasileiro do pantanal. E o novo Código Florestal, aprovado em 2012, assegura aos estados o poder para regular o uso de pantanais e demais áreas úmidas.
Nossa visão de conservação para o Pantanal é a de tentar ao máximo manter a biodiversidade biológica e os processos ecológicos em toda a bacia e, ao mesmo tempo, promover oportunidades de desenvolvimento sustentável para a região, tornando a região um exemplo de uso racional de áreas úmidas para o mundo", afirma Júlio César Sampaio, coordenador do Programa Cerrado-Pantanal, do WWF-Brasil.Segundo ele, é preciso aumentar a área protegida pública e privada no bioma. Hoje, apenas 11% da bacia estão sob o amparo da lei. Implementar a adoção de boas práticas de produção, como ações para a conservação de água e solo, o manejo e recuperação de pastagens e a remuneração pelos serviços ambientais, devem ser prioridades dos governos.
"Nós apoiamos a certificação de 120 mil hectares com pecuária orgânica no Mato Grosso do Sul, produzida com critérios de responsabilidade socioambiental e remunerando a produção sustentável no pantanal. É preciso dar escala a essas experiências", destaca. A organização também apoia o Pacto em defesa das Cabeceiras do Pantanal, aliança de setores público e privado de 25 municípios para o desenvolvimento sustentávelSampaio também defende o estudo e implantação de mais Sítios Ramsar na bacia do Pantanal e no Brasil. É que ao serem conservados esses sítios também ajudam a manter todas as nascentes localizadas à montante do curso hídrico, além de representarem áreas importantes que contribuem para um compromisso global de conservação.
Fonte: EcoD