Leônidas Arruda- poeta irreverente e amante da Natureza
Sustentabilidade

Leônidas Arruda- poeta irreverente e amante da Natureza



Página Pessoal Leônidas Arruda

Resíduos da Infância
I

O fogão aceso derretia o breu da noite

e a aurora mostrava sua cara-de-pau.

O dia começava nascer

na garganta do galo.

Crista-de-galo

cantava no bico do sabiá-da-mata.




Boneca-de-milho

montava sabiá-cavalo para galopar

com sol ou chuva no cabresto.

Sabiá-cachorro cantava na laranjeira

e os espinhos rosnavam nos galhos.

Rã-cachorro grunhia no capinzal.

Cachorro-de-padre não tinha o que fazer.

Peixe-cadela desamarrava nó-de-cachorro.


II

O dia amoitava nos oiteiros.

O sapo-gigante chamava chuva.

Sapo-ferreiro fazia espeto de pau.

A cigarra pedia sol.

Passarinho dizia " bem-te-vi."

A cotia roía o angu-de-caroço da manhã.

Cipó titica amarrava as horas.



O dia era uma lonjura.

Panela de barro cozinhava o galo.

Maria-da-mata matava joão-de-pau.

Maria-mole morria de preguiça.

Maria-sem-vergonha

ficava na moita com joão-do-mato.

Joaninha-guenza

brincava com maria-seca.




As horas chegavam à pé

e onze-horas floriam o terreiro.

Um bando de periquito-santo

fazia o nome-do-padre

no pé de flor-da-paixão.

III

A tarde chegava ciscando o tédio

e bicando farelos do meio-dia.

As vezes trazia rios de chuva

ou vinha em canoa de nuvem furada

carregada de temporal.

Algumas coisas só chegavam

pela hora da morte.





A noite era bicho-do-mato.

Durante o dia dormia no oco do pau

e só saía do buraco

quando o mata-pasto fechava as folhas

e o bico-de-brasa

acendia o rabo dos vaga-lumes.

Mato adentro

sessenta-feridas e sete-em-rama.

IV

Naquelas horas

louva-a-deus

bênção-de-deus

pau-santo

capim-santo

periquito-santo

flor-do-espírito-santo

árvore-santa

árvore-de-natal

pau-de-incenso

olho-de-santa-luzia

lágrima-de-nossa-senhora

lava-pés

lavandeira-de-nossa-senhora

santa-fé

erva-santa

santa-maria

erva-de-santa-maria

cobra-maria

maria-minha

maria-rita

maria-de-barro

maria-já-é-dia

maria-com-a-vovó

joão-de-cristo

flor-das-almas

anjo-bento

gavião-padre

flor-de-padre

bicho-de-frade

beijo-de-freira

cabeça-de-monge

flor-de-cardeal

erva-de-santa-lúcia

quina-de-santa-catarina

coruja-católica

coroa-de-cristo

pomba-de-santa-cruz

capela-de-viúva

barata-de-sacristia

barata-de-igreja

coruja-de-igreja

bem-te-vi-de-igreja

caba-de-igreja

piolho-de-são-josé

cana-de-são-paulo

erva-de-são-cristóvão

cordão-de-são-francisco

espada-de-são-jorge

cipó-de-são-joão

barba-de-são-pedro

melão-de-são-caetano

fava-de-santo-inácio

espinho-de-santo-antônio

espinho-de-judeu

espinheiro-de-cristo

flor-da-quaresma

cinco-chagas

cipó-cruz

flor-de-jesus

espinho-de-cristo

e ora-pro-nóbis

se ajoelhavam para rezar.

Goiânia/GO 16/01/2005.



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