No dia seguinte, encontrei um interessante artigo de Jean-François Mouhot, no jornal The Guardian, com uma analogia entre o uso da mão de obra escrava e dos combustíveis fósseis.
Assim como olhamos para o passado e condenamos a escravidão, as próximas gerações irão nos condenar pelos danos cometidos contra o planeta, ele diz.
Os escravos teriam ocupado o lugar onde hoje estão as máquinas que fazem “trabalhos sujos e pesados” que ninguém quer. E como essas máquinas funcionam com energia das fontes fósseis, o homem continua dependente de algo externo para ter a “missão cumprida”.
Mouhot também destaca que tanto a escravatura quanto os combustíveis fósseis foram considerados por muito tempo aceitáveis para a maioria das pessoas e depois contestados, conforme seus prejuízos foram percebidos.
A ética deveria estar na discussão da queima de combustíveis fósseis porque, mesmo não sendo um crime contra a humanidade, provoca danos indiretos.
De acordo com um estudo da Word Health Organisation, a atividade, que já foi símbolo de progresso, causa 150 mil mortes por ano de forma indireta. Mouhot cita o envolvimento de governos e empresas interessadas na exploração de petróleo que gera guerras e a queda de regimes eleitos democraticamente.
Também para Mouhot, a história da abolição da escravatura é a prova de “quão turva pode ser a fronteira entre o bom e o mal e quão rápida ela pode mudar”. E não deveria ser surpreendente que hoje haja resistência nas teorias sobre o aquecimento global.
“Nossas sociedades, assim como as escravistas, têm interesses em ignorar os consensos científicos”.
E já que podemos aprender com as experiências do passado, ele propõe que as campanhas pela abolição da escravatura sirvam de exemplo para o combate ao aquecimento global.
Os escravos só deixaram de ser mão de obra porque foi encontrada uma alternativa.
Da mesma forma, o mundo atual já descobriu as tecnologias verdes e fontes renováveis e deve agora investir mais nisso, para Mouhot. Se isso não acontecer, “gerações futuras olharão para nós e questionarão como nossa civilização pôde ter sido tão atrasada e moralmente cega”, disse. E questionou: “será que a próxima geração vai saber que tivemos alternativas?” A resposta, para ele, é seguir o curso da história e da transformação da moral:
“Provavelmente não. Eles vão nos amaldiçoar pelos danos irreparáveis que causamos ao planeta. É claro que dirão que fomos povos bárbaros.”Thaís Herrero, da Página 22