
| A senhora que  descobriu a origem da bondade  |          |||
Marina Lencastre tem as suas raízes em Cabeceiras de Basto. Viveu na Bélgica durante a sua licenciatura e doutoramento e em 1986 escolheu a área do Porto para viver e trabalhar. É psicóloga e passou pela educação ambiental nos anos 90. Não foi uma passagem fugaz e muito menos inusitada. Pelo contrário, a entrada na área foi natural no percurso da sua carreira académica e com ela abriram-se novas perspectivas. A educação ambiental conquistou até hoje uma rigorosa investigadora com um certo tom crítico e Marina Lencastre ganhou coragem para dar o passo seguinte - interligar o ambiente e a psicologia em nome do “bem-estar humano”.  | |||
Se tivesse a lâmpada de Aladino, o que lhe  pediria?
              Principalmente a  desaceleração dos ritmos. Hoje em dia vivemos num sistema demasiado  acelerado, que não nos dá tempo para apreciar as belezas da natureza  (que ainda por cima são gratuitas!), e o consumo faz parte desse  frenesim. Em termos espirituais a humanidade está órfã e temos que  abrandar para restabelecer as ligações.
Fiz a licenciatura e o doutoramento em psicologia na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Enveredei logo pela etologia e o meu doutoramento foi sobre a possibilidade de aplicar os métodos da biologia do comportamento animal ao ser humano e à cultura. Desde cedo percebi que era muito importante analisar o comportamento humano à luz da biologia evolutiva. Por exemplo, a hipótese da biofilia diz que, pelo facto de o ser humano se ter desenvolvido, como espécie, num contexto natural tem influência na preferência por esse tipo de ambiente, por plantas e animais …saber isto pode ter importância para a educação ambiental. Vim para Portugal de vez em 1986 e comecei a dar aulas na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Estive no departamento de psicologia e mais tarde nas ciências da educação. E foi nesse contexto que comecei a trabalhar em educação ambiental.
Sentiu-se confortável a trabalhar numa  área que não era propriamente a sua?
              Achei que estava bem  posicionada pois tinha os conhecimentos e sensibilidade para articular  as humanidades com as ciências na natureza. Mas rapidamente me apercebi  da complexidade desta área: as questões ambientais envolvem a economia, a  política, os saberes locais, muitos aspectos da construção do saber,  que tornavam a intervenção extremamente difícil. Comecei a interessar-me  por duas vertentes específicas da educação ambiental: a ética ambiental  e os valores (para que valores educamos?) e a epistemologia (que tipo  de verdade científica é gerada pelos problemas ambientais aplicados?).  As questões éticas estão-me muito próximas. Gosto muito de antropologia  ambiental, isto é, como é que os diferentes povos concebem as suas  relações com a natureza. Há certos povos, por exemplo na Amazónia ou em  África, que têm uma visão animista da natureza. Vêm espírito na  floresta, na água…nós somos naturalistas, separamos o corpo do espírito,  e isso tem consequências na nossa maneira de pensar as relações da  natureza e da cultura.
E actualmente, além da investigação, o que  está a fazer?
              Há seis anos saí das ciências  da educação e voltei à psicologia para realizar um sonho antigo, que  era ser psicoterapeuta. Neste momento, além da psicoterapia que faço na  Escola Superior de Educação do Porto, estou a dar aulas na Universidade  Católica Portuguesa (Porto) e na Universidade Fernando Pessoa.
Toca muitas violas...
              Sim, isso é essencial. Esta  liberdade de pensamento e de acção é muito importante e seria muito  difícil para mim estar ligada a uma só área. Há ligações entre ecologia e  psicologia clínica e sinto-me confortável a pensá-las. Hoje em dia  explora-se a psicopatologia evolutiva a partir de resultados da  etologia, da psicologia evolutiva, da neuropsicologia…. E eu entro por  essa área, são as ligações que me interessam e o seu impacto na clínica.  Por exemplo, há evidências de que as alterações ambientais nos sistemas  humanizados podem conduzir a algumas perturbações psicológicas. E isso  importa à educação ambiental.
Hoje em dia acha que se deve falar de  educação ambiental, educação para a sustentabilidade ou simplesmente  educação?
              Nesta altura deve-se falar de  educação para a sustentabilidade porque a sustentabilidade ainda não  está suficientemente presente para que se possa fazer a economia da  palavra. Por outro lado, a educação ambiental é o termo original mas  está conotada na cabeça das pessoas com a ideia de espaços naturais. O  termo sustentabilidade remete-nos para os limites dos ecossistemas mas  também para as componentes políticas, técnicas, económicas e sociais…
Mas acha que as pessoas sabem o que é a  sustentabilidade?
              A sustentabilidade já entrou  no discurso comum, é verdade que nem sempre da melhor forma, mas de  facto as pessoas ainda não sabem bem o que é. Creio que para ajudar a  tornar mais claro há sempre que aplicar o conceito a um contexto  concreto, por exemplo ao consumo…
Durante os anos em que trabalhou mais  profundamente na área da educação para a sustentabilidade (já adoptamos a  terminologia) desenvolveu um projecto de transversalização curricular  extremamente interessante, mas que ainda não teve oportunidade de sair  da gaveta?
              Sim, o projecto Terra. Entre o ano 2000 e 2003 trabalhamos o Terra I,  para o 1.º ciclo de ensino básico, analisando como poderiam os  professores abordar as questões ambientais sem abandonar o currículo.  Envolvemos professores, alunos, comunidades locais, algumas  instituições, como por exemplo a Câmara Municipal do Porto, e obtivemos  um produto final deste projecto de investigação – um conjunto de  materiais pedagógicos devidamente testados. A partir de 2003 obtivemos  um financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia para fazer a  transversalização de temas ambientais para o 2.º e 3.º ciclos de ensino  básico, principalmente para os 6.º e 7.º anos de escolaridade.  Trabalhamos com professores de distintas disciplinas de escolas do  grande Porto – uma no interior e outra no litoral. A ideia era fazer uma  leitura ambiental do currículo das várias disciplinas e ver com os  professores e alunos o que surgia da leitura. O mote do projecto era “o  lugar” e através dele podia abordar-se o currículo e as literacias  ambientais e competências envolvidas (compreensão, acção, intervenção).
Esse projecto faz parte do Plano de  Acção do “Futuro Sustentável” e foi adoptado pelo CRE_PORTO como um  produto a editar no âmbito da actividade dos parceiros?
          Mas a falta de dinheiro tem sido  uma limitação. Neste momento o projecto teria que ser revisto, dado que  já tem alguns anos e desde então algumas coisas mudaram. Mesmo ao nível  do suporte físico que inicialmente estava definido… Hoje em dia faria  sentido adaptar os conteúdos para uma plataforma na internet.
Desencantou-se com a educação para a  sustentabilidade?
              Bem, de algum modo, mas  principalmente apercebi-me que era uma tarefa imensa para poucos  resultados. Há demasiados constrangimentos políticos, económicos e  técnicos que impedem que os objectivos educativos sejam plenamente  cumpridos. Também me desiludiu a falta de rigor científico na área. Há  muito idealismo na educação para a sustentabilidade, as pessoas querem  operar mudanças, mas é impossível passar à prática porque o contexto não  é favorável. Quem trabalha nesta área muitas vezes está a lutar contra o  Adamastor. Mas, apesar de tudo, sou optimista.
Qual é a sua opinião sobre o  trabalho que se tem levado a cabo nesta área?
          Há sinais de mudança e o que está  a ser feito é o que tem que ser feito: promover a consciência ambiental  a partir de diferentes vias de entrada. Confesso que hoje em dia sou  surpreendida por pessoas que acharia completamente imunes às questões  ambientais, mas que reciclam, reduziram no consumo, compram produtos  locais… Mas acho que é importante integrar no currículo escolar as  preocupações sócio-ambientais e deixar de exigir dos professores um  certo activismo, pois acabam por estar a remar contra a maré. Não tenho  dúvidas que a “ambientalização” curricular ainda não é suficiente. Tenho  uma aluna de mestrado que está a fazer um trabalho nesta área e  verificou que, por exemplo, a biodiversidade está praticamente ausente e  os animais aparecem como recursos e não como organismos em si mesmos.
Para terminar poderia dar-nos  algumas sugestões para melhorar os projectos de educação para a  sustentabilidade?
          Se neste momento fizesse um  projecto investiria em três áreas chave. Primeiro: na compreensão do que  é a ciência, e na sua aplicação a aspectos sociais e ambientais  concretos. Segundo: na criação de condições educativas nas escolas para  experimentar o que é a democracia deliberativa, por exemplo adaptar a  metodologia de “júris de cidadãos” ou implementar a Agenda 21 ao nível  da escola. Terceiro: educar para a sensibilidade e beleza da natureza,  para a vertente espiritual. E estas três ideias podem ser integradas  perfeitamente no mesmo projecto, só tem que se encontrar a metodologia e  equilíbrio certos.
