Entrevista com o secretário de Biodiversidade da ONU: "A conservação é desenvolvimento"
Sustentabilidade

Entrevista com o secretário de Biodiversidade da ONU: "A conservação é desenvolvimento"


O secretário de Biodiversidade da ONU se diz confiante em acordo para financiar a preservação

As preocupações ambientais hoje estão todas mobilizadas pelo aquecimento global. Mas a degradação climática do mundo é apenas um dos sintomas de um desequilíbrio mais profundo, que também se mostra na taxa acelerada de extinção de espécies e no risco de desaparecimento de ecossistemas saudáveis, afirma o argelino Ahmed Djoghlaf, secretário executivo da Convenção de Biodiversidade da ONU. A organização negocia um acordo global para pagar populações que preservam lugares com riqueza biológica, como florestas ou áreas costeiras. Em entrevista a ÉPOCA, ele diz por que acredita que um acordo será fechado na próxima reunião, em outubro, em Nagoya, no Japão. E por que a ONU declarou 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade.
  ENTREVISTA - AHMED DJOGHLAF  

Albert Gea QUEM É
Formado em Direito e ciências políticas pela Universidade St. John, em Nova York. É casado, tem dois filhos e mora em Montreal, no Canadá


O QUE FEZ
Como diplomata da ONU, foi um dos organizadores da conferência Eco92, no Rio de Janeiro


ONDE CRESCEU
Cresceu em uma vila no interior da Argélia. Diz que aprendeu a valorizar a biodiversidade a partir da vida no deserto, onde sua comunidade tinha conhecimentos tradicionais, e se tratava com plantas medicinais

ÉPOCA – Hoje, nosso pensamento ambiental é conduzido pelas preocupações com as mudanças climáticas. Por que deveríamos nos importar também com a perda da biodiversidade?
Ahmed Djoghlaf –
As mudanças climáticas são apenas o sintoma de um problema mais sério: a degradação ambiental do planeta. Os ecossistemas, como as florestas, o mar ou os pântanos, ajudam a manter a saúde do planeta como um todo. As florestas ajudam a tirar do ar o excesso de gás carbônico, um dos principais responsáveis pelo aquecimento global. As algas do oceano absorvem um terço do carbono. A destruição desses sistemas afeta a capacidade da Terra de equilibrar a atmosfera. Além disso, os ecossistemas também são vítimas das mudanças climáticas. Um terço dos 193 países que fazem parte da Convenção reporta o desaparecimento de espécies animais ou vegetais provocado por alterações no clima. Precisamos mudar nossa relação com a natureza.

ÉPOCA – Se for apenas uma questão de recuperar a absorção de carbono das florestas, não seria melhor plantar eucaliptos, que crescem mais rápido?
Djoghlaf –
Essas florestas plantadas têm um papel importante para equilibrar o clima. Mas só a floresta original consegue exercer funções essenciais como manter o ciclo da água. Algumas experiências de substituição da floresta nativa por árvores exóticas resultaram na redução da água nas nascentes. E cerca de 80% das espécies do mundo estão nas florestas tropicais. É nossa obrigação protegê-las. Guardam conhecimentos genéticos inestimáveis. Até hoje, só catalogamos 2 milhões dessas espécies. Estima-se que existam várias vezes mais, ainda desconhecidas, com potencial que não podemos desperdiçar para gerar novos remédios, alimentos ou cosméticos.

ÉPOCA – Só nos importamos com as mudanças climáticas porque podem afetar nosso estilo de vida. Em que medida o desaparecimento dessas espécies atinge um cidadão moderno urbano?
Djoghlaf –
Aparentemente, esses ecossistemas estão distantes de nós. Mas é uma ilusão. Em algum momento, a destruição desses sistemas começa a afetar nossa capacidade de produzir água, alimentos ou equilibrar o clima.

ÉPOCA – Por enquanto, manter uma floresta tropical rica é um custo para países como o Brasil. Quando teremos algum benefício com isso?
Djoghlaf –
Nosso desafio é criar mecanismos de transferência de riqueza para as pessoas que moram nesses lugares, de forma justa. Hoje, as indústrias desenvolvem remédios a partir da biodiversidade e não têm obrigação de partilhar o lucro com as comunidades que preservam aquele ecossistema. Em Nagoya, deveremos criar um sistema para dividir parte dos dividendos com a biodiversidade. Pode ser que isso caminhe para um mecanismo como o de créditos de carbono, em que países ou empresas compram títulos de quem reduziu as emissões. O instrumento conhecido como Redd, que permite aos países desenvolvidos pagar a nações ricas em florestas que diminuíram o desmatamento, também é uma forma de remunerar a preservação da biodiversidade.

ÉPOCA – Essas negociações começaram em 1992, no Rio. Por que demoram tanto tempo?
Djoghlaf –
O conceito de desenvolvimento sustentável é muito novo. Imagine colocar 193 países de acordo com formas justas de dividir os benefícios de algo partilhado por vários deles. Implica uma nova ordem econômica. Estamos caminhando no ritmo certo. A negociação sobre diversidade começou no Rio, em 1992. Em Johannesburgo, em 2002, os chefes de Estado reunidos concordaram em criar um regime internacional para partilhar os benefícios da biodiversidade. Na reunião de Curitiba, em 2006, os 4 mil participantes aceitaram fechar o acordo até 2010. Estamos confiantes que teremos um acordo pronto até outubro.

"A preservação de áreas costeiras no caribe
rendeu peixes maiores para os pescadores locais"

ÉPOCA – Esse mesmo tipo de negociação não foi capaz de produzir um acordo sobre o clima, em Copenhague, apesar de haver uma pressão popular muito maior. Como o senhor pode estar tão confiante?
Djoghlaf –
As mudanças climáticas são um tema que gera conflitos de interesses. Você tem países produtores de pretróleo, outros ricos em carvão mineral. Também pequenas ilhas que podem desaparecer. E no meio disso grandes economias que precisam mudar a produção de energia. Ou outros países que podem vender soluções tecnológicas. É muito difícil construir um consenso. Por outro lado, em relação à biodiversidade, não conheço nenhum Estado que seja contra criar meios para preservá-la. A discordância existe apenas em relação aos prazos ou mecanismos para conseguir isso. Além disso, não diria que Copenhague foi improdutivo. O Protocolo de Kyoto só expirará em 2012. A intenção de fechar o acordo em 2009 era boa, mas alguns países, como os Estados Unidos, ainda não estão prontos, porque dependem da aprovação de leis do clima no Congresso. Estou certo de que teremos um acordo geral na próxima conferência do clima, em dezembro, no México. E depois poderemos fechar os detalhes até 2012. Você também precisa considerar que, pela primeira vez na história, mais de 120 chefes de Estado se reuniram para discutir o clima. Alguns deles, como o presidente Lula, ficaram até as 2 horas da madrugada tentando fechar um acordo pessoalmente. Isso é muito especial. Em 1999, tivemos milhares de manifestantes protestando contra os acordos de globalização em Seattle, na conferência da Organização Mundial do Comércio. Agora é o contrário. Em Copenhague, foram 100 mil manifestantes a favor de um acordo. Os políticos agora sabem que, se a negociação não for bem-sucedida até 2012, eles serão punidos pelos eleitores em seus países.

ÉPOCA – Os produtores rurais brasileiros afirmam que, se o país criar mais áreas protegidas, vai faltar terra para produzir alimentos. Eles têm razão?
Djoghlaf –
É uma visão antiga de conservação. Hoje, o consenso é de criação de áreas para o uso sustentável humano. Protegemos as áreas não por causa da beleza das zebras ou dos elefantes, mas para garantir o sustento das pessoas. O ecoturismo é uma fonte de renda crescente para várias populações em áreas preservadas no mundo. Experiências no Caribe mostram que a conservação de trechos do litoral aumenta o retorno da pesca que sustenta as comunidades ali. Os corais e mangues conservados passam a produzir peixes maiores e maior diversidade de espécies de valor comercial. A conservação é uma estratégia de desenvolvimento. ALEXANDRE MANSUR
Fonte: Época  (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI116312-15224,00-A+CONSERVACAO+E+DESENVOLVIMENTO.html)



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