De que somos feitos
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De que somos feitos


Reflexões sobre a dualidade que nos é intrínseca, sobre as nossas vidas equilibradas (ou desequilibradas) entre o quotidiano e a imaginação, sobre quem queríamos ser e quem realmente somos.

A primeira, extraída do texto que Leonardo Boff publicou hoje no seu blogue, cuja leitura integral recomendo vivamente:  "Em nós estão todas as memórias do universo", 

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Como esta estrutura concretamente se dá em nós? Antes de mais nada, pelo cotidiano. Cada qual vive o seu cotidiano que começa com a toillete pessoal, o jeito como mora, o que come, o trabalho, as relações familiares, os amigos, o amor. O cotidiano é prosaico e, não raro, carregado de desencanto. A maioria da humanidade vive restrita ao cotidiano com o anonimato que ele envolve. É o lado da ordem universal que emerge na vida das pessoas.

Mas os seres humanos são também habitados pela imaginação. Ela rompe as barreiras do cotidiano e busca o novo. A imaginação é, por essência, fecunda; é o reino do poético, das probabilidades de si infinitas (de natureza quântica). Imaginamos nova vida, nova casa, novo trabalho, novos prazeres, novos relacionamentos, novo amor. A imaginação produz a crise existencial e o caos na ordem cotidiana.

É da sabedoria de cada um articular o cotidiano com o imaginário, o prosaico com o poético e retrabalhar a desordem e a ordem. Se alguém se entrega só ao imaginário, pode estar fazendo uma viagem, voa pelas nuvens esquecido da Terra e pode acabar numa clínica psiquiátrica. Pode também negar a força sedutora do imaginário, sacralizar o cotidiano e sepultar-se, vivo, dentro dele. Então se mostra pesado, desinteressante e frustrado. Rompe com a lógica do movimento universal.

Quando alguém, entretanto, assume seu cotidiano e o vivifica com injeções de criação então começa a irradiar uma rara energia interior percebida pelos que com ele convivem.»

A seguir, extractos do livro "Care of the Soul" de Thomas Moore, 1992, "O SENTIDO DA ALMA - Como desenvolver a dimensão profunda e sagrada da vida quotidiana" (edição portuguesa de Planeta Editora, 1996) :

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Cuidar da alma significa, frequentemente, não tomar partido em caso de conflito a um nível profundo. Poderá ser necessário abrir o coração o suficiente para acolher no seu seio a contradição e o paradoxo.
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Uma vida profunda e cheia de significado nunca pode prescindir da presença da sombra, de onde deriva, em parte, o poder da alma. Se queremos viver da nossa interioridade - teremos de abdicar de todas as nossas pretensões à inocência, à medida que a sombra se vai tornando mais densa.
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À medida que nos vamos tornando transparentes revelando-nos tal como somos e não como quem gostaríamos de ser, o mistério da vida humana na sua globalidade reluz por momentos, num lampejo da incarnação. A espiritualidade emana da banalidade da vida humana tornada transparente, graças ao favorecimento constante da sua natureza e destino.
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Para a alma, a memória é mais importante do que as planificações, a arte mais poderosa do que a razão e o amor mais compensador que o entendimento. Sabemos que trilhamos o caminho que nos conduz à alma quando nos sentimos ligados ao mundo e às pessoas que nos rodeiam e, ainda, quando a nossa vida é orientada tanto pelo coração como pela mente. Sabemos que a alma está ser preservada quando os prazeres que sentimos penetram mais fundo do que o habitual, quando abdicamos da necessidade de nos libertarmos da complexidade e da confusão e, finalmente, quando a compaixão ocupa o lugar da desconfiança e do medo. A alma interessa-se pelas diferenças entre culturas e indivíduos, e, dentro de nós mesmos, pretende ser expressa de forma única e até de modo abertamente excêntrico. 

Deste modo, quando, invadido pela confusão e no meio de tentativas hesitantes para viver uma vida transparente, eu for o bobo, e não todos o que me rodeiam, então saberei que estou em vias de descobrir o poder da alma para tornar a vida interessante. Em última instância, a preservação da alma resulta num «eu» individual que eu nunca tinha planeado ou sequer desejado. Preservando a alma fielmente, dia após dia, afastamo-nos para dar passagem a todo o nosso engenho. A alma une-se à misteriosa pedra filosofal, essa essência da personalidade, rica e sólida, que os alquimistas procuravam, ou abre-se em cauda de pavão - a revelação das cores da alma e a exibição dos seus brilhantes matizes.»

Esta dualidade é patente e fulcral no intenso e belíssimo filme "Baraka", e na respetiva sequela "Samsara", que vivamente recomendo que assistam.  Todos temos o lado de luz e o lado de sombra, é da nossa natureza sermos espírito e corpo, imaginação e rotina, e a nossa vida desenrola-se numa permanente luta entre forças antagónicas dentro de nós próprios. Cabe-nos analisar e reconhecer esta dualidade para que possamos, de forma transparente, melhorar a nossa vida e a dos seres que nos rodeiam.




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