A carreira profissional de jornalista, onde soma quase duas décadas de experiência, fizeram-no, muitas vezes, sair da redacção ao encontro de Portugal. «Eram deslocações de dois, três dias. De carro até um determinado local. Ia eu e o fotógrafo» conta Nuno Ferreira, jornalista freelancer que desde de 2008 palmilha a pé o Portugal profundo.
Sagres, no Algarve, foi o ponto de partida desta aventura, relatada todos os dias no blogue
Portugal a Pé. A ideia de andar à força do corpo pelo país vinha desde há muito tempo, mas o jornalismo numa publicação diária não deixava espaço à realização do desejo de Nuno Ferreira. Como freelancer, o tempo passa a ser gerido de outra forma e, em Fevereiro de 2008, de mochila às costas encetou caminho num lugar carregado de simbolismo. Foi de Sagres que partiram muitas expedições na época dos Descobrimentos, embora em sentido inverso, mar adentro.
A princípio estava cheio de medo porque não tinha grande actividade física. A mochila pesava 15 quilos. Quando fiz a primeira semana é que percebi que ia conseguir fazer isto, conta Nuno Ferreira. O percurso pelo Algarve fez-se entre a costa e a serra, onde sentiu alguma descaracterização do país. Faltam tradições.
Achei o Algarve muito descaracterizado. A Serra do Caldeirão quase não tem nada de típico, afirma.
A minha obsessão é andar pelo Portugal onde ninguém entra. Eu passo por sítios onde as pessoas olham para mim e ficam de boca a aberta. Perguntam: ‘o que estás aqui a fazer? Nunca ninguém vem aqui!’ Eu digo, vim precisamente por isso. Quero andar por partes do país onde normalmente os turistas não vão.Passou por peregrino, foi olhado com desconfiança mas acabou sentado à mesa de muita gente genuína. É esta multiplicidade de sentidos que fazem Nuno Ferreira continuar a batalhar pela procura de financiamento para a última etapa: falta calcorrear a Terra Fria de Trás-os-Montes.
Depois do Algarve, de onde trouxe a imagem da descaracterização, o Alentejo surgiu como terra acolhedora.
Para mim foi um banho quente quando cheguei ao Alentejo, porque a região ainda tem todas aquelas sociedades recreativas que mantêm vivas as tradições da terra, do
Portugal que está a morrer.
As gentes e as paisagens conquistam Nuno Ferreira. Na gastronomia encontrou prazeres descobertos, ou redescobertos, mas também um dos maiores problemas. Entre risos, conta:
Um dos problemas foi começar a comer e beber. Uma das coisas que fiz questão foi ir sempre acompanhando a gastronomia. Fiz questão em comer todos os pratos que não conhecia, e repetir alguns. Toda a comida é espectacular.
De Fevereiro a Setembro de 2008, as memórias deste Portugal a Pé foram registadas na revista Única. Mas, em jeito de confissão, Nuno revela-nos que, em terras lusas, este é o tipo de leitura que não capta muitos leitores. Desde Setembro até Julho de 2009, a aventura fez-se por conta própria e foi partilhada no blogue Portugal a Pé.
Ainda no Alentejo, reparou que os postos de turismo nem sempre são a melhor forma de conhecimento de uma região.
Encontrei cada cascata comenta em tom exclamativo.
Vou muito ao site das câmaras municipais ver muita informação. Vou ao turismo pedir informações e a resposta é: parece que há uma [cascata] para aí. Vou, então, ter com as pessoas que me indicam lugares e dão dicas. Noutro país isto já estava tudo explorado, refere, com o olhar disperso nas memórias de um país profundo e longe do mediatismo do litoral para onde se dirige a nossa conversa.
As saudades do interior apertaram à medida que Nuno se aproximava do mar. O Portugal litoral está mais modernizado e mais tecnológico e pautado pelo consumismo, pela, chamada modernidade. Nuno Ferreira recorda:
Quando passei para o litoral, encontrei um Portugal do centro comercial, da prostituição na estrada, muitos carros, vias rápidas. Pensei: que saudades do interior.
O espírito crítico deste jornalista com o pé literalmente na estrada relembra que é para as localidades do litoral que mais ajudas seguem:
Agora, com a crise, Lisboa, Porto, Leiria pedem apoios. No interior, desenrascam-se. Fecham a casa e vão para imigração. Acho isso fascinante. O percurso é feito de cansaço e de momentos de glória.
Por vezes fazes quilómetros por uma estrada de terra batida sem interesse. De repente, um vale, os sons da natureza, uma paisagem a perder de vista, comenta. Assim carrega energias para continuar a sua aventura.
Chega à terra dos últimos pastores: Serra da Estrela.
Adorei a Serra da Estrela, entre Manteigas e Folgosinho. Uma coisa é ir no regime turístico, outra é andar com os pastores, diz. Uma pausa para reviver emoções. Continua então:
as pessoas a falarem do mar sem nunca o terem visto. Uns sonham estar com as sereias. Eram conversas surrealistas. Deparei-me com zonas muito desérticas onde as pessoas estão abandonada.A desertificação é a linha geral desta viagem. No presente permanece a vontade de voltar a colocar a mochila às costas e voltar aos caminhos onde se trabalha a terra de forma pura e genuína.